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terça-feira, 23 de outubro de 2007

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O menino tira da caixinha as coisas obsoletas:


Luneta de ver de onde vem formiga;
Cheiro de coisa que não tem nome;
Pedaço de pensamento de reinação;
Três luvas de tocar as estrelas do céu da boca;
Dois mantos de abelhas amargas, que servem
para cobrir o mar.

Punhado de palavras que fogem da fala;
E pedaços de olhares desviados;

O menino dessas desimportâncias
quer retirar o sentido,
e ver se isso funciona para versos,
ou mesmo cantigas.

O menino acha que o desuso
é fabrica para versos:
como o silêncio

O menino sem saber
inventou uma máquina
de desdizer as coisas:
e repeti-las.

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quinta-feira, 11 de outubro de 2007


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Nédio.

I.
Num dia, céu estrelado, uma mulher deu a luz a uma criança morta. Desesperada, largou a criança na sarjeta. Refletidas na água, as estrelas deram luz a criança, que desde então irradia semelhante brilho. Nédio cresceu esquerdo, enquanto o mundo era para “os pontas direita”, pensava que o mundo era penso e, às vezes, ficava horas fazendo força para endireitá-lo, cansado dormia. Sonhava com um mundo ambidestro. Perguntava ao papagaio e esse respondia perguntando, perdia horas tentando dissuadir o bicho. Refletida no espelho sua imagem era um flash estourado.
II.
Num lago, olhando os peixes, procurava sobre a face da água reconhecer um rosto, talvez o seu, ou um que lhe caiba nos sonhos.Desistia com certo tempo, olhava os peixes que estranhamente se mostravam para ele. Um dia sonhou em ser peixe, olhava no espelho e tinha cara de peixe, entardecido o dia, acordava, corria ao espelho e não era peixe, nem nada. Diziam que era especial. Horas pensando achava a palavra especial ruim, depois de muito refletindo, preferia – igual ou especifico. Estranho pensar especial, perto de tudo tão semelhante.
Gostava de palavras. Aprendida uma nova, repetia, repetia e repetia, até a palavra achar sentido nas coisas do seu mundo, quando essa se encaixava em algo, se satisfazia, olhava para a coisa, reinventava o mundo.
Nédio era um vaga-lume quando apagavam o sol, andava pelas ruas seguido por algumas crianças, sentava e contava histórias de peixes voadores, peixes-homem, peixes e peixes-galinha, peixes vendados, peixes que falam e em especial de peixes-vaga-lumes-florescentes.
Peixe-vuava, cansado de ser pássaro, resolveu ser só peixe, deixou-se cair, virou só peixe no lago, as assas soltas no ar, caíram na terra, veio a chuva e plantou, nasceu só pássaro. Peixe-tagarela era cantor, apaixonado e não
correspondido, ficou quieto, entrou no mar - o barulho do mar é seu murmúrio de coração partido e o sal vem de suas lágrimas. O peixe-homem, cansado de ser duplo, escolheu ser só homem. Agora esquecida a parte peixe, o homem só faz outro homem e come peixe.
III.
Uma estrela cadente. Nédio subiu aos céus, foi consumido por não conseguir ser nem homem nem peixe, triste á esquerda, arranca pedaços do próprio corpo e atira para a Terra. Com alguma sorte é possível ver um pedaço que cai, não chega a tocar o solo e se desfaz na escuridão. E a noite continua acendendo vaga-lumes.
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