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terça-feira, 17 de maio de 2005

Acabar com as unhas e sangrar os dedos.

Encontrar apoio no desconforto causado pelo Mundo e esgueirar-se pôr dentro, tentando sair e continuando preso. Correndo, pensa.
5 horas, batia o cartão, almoçou não, sem tempo, impostando a renda. Contador, sua profissão...Costuma deixar as coisas assim mesmo, de como eram quando veio ao mundo.Veste a roupa, outra vez atrasado, perder o emprego, e como ler um mundo sem ele. Seu pai lhe dizia, quando pequeno - o que mesmo? Não lembra.
Quando criança gostava de sentir o vento batendo no rosto, a mãe dizia brisa.A mãe fazia doce, acariciava sua face antes de dormir.
Desperta - na privada- a calça arriada. Que dia é hoje, se pergunta.Chacoalha a cabeça, levanta, 2 horas da tarde, domingo. Bebeu demais na noite anterior.Ainda bêbado, o efeito do álcool parece não terminar, sente os móveis girando, em decúbito dorsal cai sobre o sofá.
Bateu o cartão, em atino sai do prédio, entra no ônibus.Em atino sai do ônibus.
Corre.
E correndo os vultos do que vê: imagem verossímil do Mundo.

sexta-feira, 13 de maio de 2005



Por terminar.

Há quanto tempo ando vagando por estas ruas, na verdade não sei se são ruas, o homem na calçada especula o fim das ruas.Ruas; ruas são casas janelas paredes bebida cama rua via subentendido mantimento.Entre as inúmeras pessoas que passam apenas espaços mínimos por onde penetrar. Frestas.Continua a tentar desviar das pessoas, mas elas sempre tentam também e de novo, com a cara na cara de um cara -podia ser uma linda mulher, mas é um rabugento velho com seu velho guarda chuva com sua velha roupa cheirando a ele mesmo.Nas ruas não reinam mais os heróis sérios e fechados, esses podiam morrer completos - a rua era deles. Agora transitam inúmeras inquietações cachorros carros guardas mulheres crianças com mães sem mães pais maridos lojas serventes professores toda uma infinidade seres e um só e nenhum e muitos e poucos e bizarros sozinhos dispares.Senta-se no meio fio meia poça de lama na sua cabeça, um carro que passa.Molhado, agora mais vulnerável a ação do vento, livre dos esbarrões.
Passa a rua, anda, ele ser imóvel enquanto gira - mundo – um disco riscado que se repete sibilante ensurdecedor, mas impossível de ser desligado, o grande braço é quase imóvel, repete apenas os mesmos movimentos.Rígido.
A rua se desfaz em sinônimos. Antônimos trafegam por ela, um esbarrar de considerações confusas, nessa grande heterogeneidade de odores. Ele agora segue o cimento das calçadas até sua casa, o homem das ruas o segue, continua a especular seu fim e o fim, a gritar.Desesperado entra em casa.
- Hoje mais de não sei quantos quilômetros de congestionamento...É a Tv ligada.
xxx
Dentro, agora, sua casa, a tv ligada, o homem do jornal, que sustenta a anos a mesma face: um olhar desses escritos em algum manual de jornalismo televisivo.Como se não conseguisse ver na tela, nada além da face do homem do jornal, fecha os olhos.Dorme.
As coisas na casa parecem frias, os móveis, a disposição das antigas fotos familiares: à esquerda, na parede, o pai desfigurado pelo tempo, a seu lado, a mãe. Deitado na cama tem calafrios, ouve a voz que lhe seguia pelas ruas.Talvez, semiconsciente, sente o intervalo entre estar acordado e dormir, fica nesse estado, mas persiste.Dormir. Precisa dormir. Tédio, grande adjetivo de sua vida, para enfrenta-lo, resta dormir.Forma passiva.
Em sonho, anda pelas mesmas ruas, não reconhece as fachadas, as lojas não estão onde costumavam estar, as calçadas são maiores, ou há escassez de pessoas nelas, os rostos continuam fechados.Segue as calçadas até sua casa.Uma criança sentada na porta o observa como se o conhecesse, o persegue com olhar, convida-o a entrar.Entra.Na cozinha é preparado o jantar, são 6 horas. A criança, um menino, se exalta.Agora ao pé da porta a figura de um homem grande e cinza, alinhado em seu terno, sua face parece cansada, o homem da porta entra.Na mesa o menino parece distante - observa a mãe, olha fixamente em meio sorriso para o canto da sala onde esta a poltrona vazia.Come, mas não olha para comida, mastiga devagar, entre o sorrir e o mastigar, o pai o observa, mas seu olhar é distante e não chega a tocar o menino. A mãe passa a salada ao marido.

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quinta-feira, 12 de maio de 2005

Alguns

Mazelas

Às vezes me sinto de burca
Às vezes estou nua
Na rua a feição dos bois é a mesma
muda o nome e tudo continua
Às vezes me vejo rouca
Às vezes estou muda
Lembro de quando o seu espelho me refletia
E de quando não me via.

xxx


Vulto

Lembrei seu rosto
Num rosto ambíguo
Que passava.
Meu rádio
Viciado
Na mesma sintonia.

xxx

(...)"bonecas barbie não tem cerébro".
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primeira impressão

O mundo é um emaranhado
de odores visuais
Indecifráveis

O centro, frontal, não corta
o corpo rente.

Da fila se espia
o homem que passa.

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